A CONCEÇÃO DO DIVINO
Nós humanos queremos conhecer Deus através da nossa mente racional, que é condicionada pela
nossa evolução, nomeadamente pelos raciocínios viciados gerados por influência
do nosso ego. Assim, a nossa
mente tem vindo a criar um Deus, ou Deuses à nossa imagem e semelhança, com a
nossa forma de pensar e as nossas emoções. Desta forma consideramos que Deus tem desejos (como se ele não fosse tudo ou
não tivesse tudo, como se precisasse de alguma coisa) e que pensa como nós, e, por isso, quer que
sejamos “bons” (de acordo com os nossos conceitos subjectivos de “bom”); que julga, como nós nos julgamos uns
aos outros (catalogando, os outros e os seus actos como “bons” ou “maus”, de
acordo com os nossos conceitos). Consideramos que também tem emoções como nós, e se nós não fizermos o que Ele quer, se não formos “bons”, revolta-se
connosco e condena-nos com penas extremamente cruéis (pelo que fizemos num
escassíssimo período de tempo – uma vida humana – pode condenar-nos para a
eternidade); mas se lhe agradarmos, se
fizermos o que Ele quer e o deixarmos satisfeito, se formos “bons”, dá-nos um
prémio (pelo que fizemos num escassíssimo período de tempo – uma vida humana
– permite-nos viver eternamente felizes, no mundo dos espíritos). Deste modo, consideramos que Deus nos trata como muitas
vezes nós tratamos os nossos filhos, retirando-lhes a liberdade, condicionados
pelo nosso ego. Apesar de ainda não nos conhecermos e não termos aprendido
a viver como seres felizes, consideramo-nos
Seres tão inteligentes e evoluídos, porventura os mais evoluídos ou mais
importantes do(s) universo(s), que sabemos tudo e até sabemos como Deus pensa. Porventura
consideraremos que talvez Ele não seja muito mais evoluídos do que nós e por
isso se regerá pelos nosso padrões.
Assim, cada homem vendo Deus à sua imagem e semelhança, quer-se comportar como um Deus, ou pretende ser um Deus, pois, só assim se entende
que considere que pode racionalmente conhecer Deus. Cada um de nós funciona como um Deus
isolado, considerando que pode viver independentemente dos outros e do que o
rodeia, pelo que só os seus interesses contam e são importantes. Cada ser
humano, como ser supremo que julga ser, pretende
que o Deus, que criou à sua imagem, exista para o servir. Cada um de nós quer que tudo funcione de
acordo com os seus interesses. Mas como os interesses de cada um chocam com
os interesses dos outros, obviamente que se uns obtêm o que querem, os outros não
o podem obter. Então Deus será “bom” para uns e “mau” para outros.
O homem se quiser conhecer Deus tem de sair da sua mente racional.
Tem de se desligar dos seus pensamentos obsessivos, condicionados pelo ego, que
viciam e turvam a sua visão e que levam à gestação de emoções no seu corpo que
o isolam ainda mais. Tem de procurar a
paz no mais íntimo de si próprio, de forma totalmente livre, despreocupada, desprendida.
Aí no vazio do seu corpo e mente encontrará a luz que o liga à dimensão divina.
É aí que, em total liberdade, tem acesso à sua Alma, que é parte do Todo, de
Deus, logo é aí que se liga a Deus e que o pode conhecer. É aí que pode
sentir o que verdadeiramente É. É aí que o “insight” lhe permite que a sua
mente tente traduzir para palavras o que é Deus, que é intraduzível. Só de uma
forma aproximada se pode tentar traduzir, pois ele só pode ser conhecido, de
facto, não pela nossa mente, mas pela nossa Alma, sentindo-O no mais íntimo de
nós próprios.
Então, cada um de nós pode
compreender quem É, entender que não é um ser isolado, mas parte de um Todo.
Entenderá que nada existe isolado, muito menos os seres vivos (que por natureza
só podem existir em interacção com tudo o que os rodeia), só então compreenderão
que os seres humanos sozinhos não podem ser Deuses. Quando entenderem que, de
acordo com a própria concepção de Deus, Deus é tudo o que existe, compreenderão que só poderão assumir a
Consciência do Deus que São, quando estiverem em união com Tudo o que existe,
quando forem Um com tudo, com Ele. Compreenderão que, cada um de nós, só
poderá ter um crescimento individual sustentado, quando, de alguma forma, este
estiver ligado ao crescimento da humanidade e de Tudo. Quando cada um evolui na perspectiva do crescimento do Todo, torna-se
Feliz, cria felicidade à sua volta e ajuda a humanidade a crescer como um Todo;
mas, quando pelo contrário, cada um pretende crescer separado dos outros, ou
contra os outros, no sentido do incremento do ego, torna-se infeliz, “regride[1]”, cria infelicidade à sua volta, e, de
alguma forma, ajuda a humanidade a “regredir” no seu conjunto.
Por contraditório que pareça,
quando cada um se virar para si e se redescobrir no mais íntimo de si próprio,
encontrar-se-á com Deus, logo será Um com toda a existência. No mundo da
dialéctica dos opostos, nada pode existir sem o seu oposto, que também lhe é
complementar, mas no mundo do Absoluto não existem opostos nem complementares,
tudo é Um.
O homem deverá entender que Deus ou o Todo dá-nos total liberdade e de
forma magnânima, simplesmente cria condições para sermos o que decidirmos ser. Estabeleceu
e mantêm regras de causa e efeito que nos permitem caminhar no sentido da
felicidade, ou da infelicidade, sempre em total liberdade. Cabe a cada um
de nós decidir qual o caminho que quer seguir. Se quer evoluir no sentido da
união e da felicidade ou se quer evoluir no sentido da separação e da
infelicidade. Deverá entender que não é
Deus que define o destino de cada homem, mas é o próprio homem que o define. Só
então deixará de culpar Deus pelas suas decisões.
[1] Quando refiro que “regride”, quero significar que, se o
objectivo é crescer como um Ser feliz, está a caminhar no sentido inverso, no
sentido da infelicidade. Utilizei o termo regredir para, com poucas palavras,
expressar a ideia. Contudo, é um termo que tem uma conotação negativa que não
me agrada, pois entendo, que só podemos conhecer “o mais” se conhecermos “o
menos”, não podemos conhecer algo se não conhecermos o seu oposto, logo não há
“o bom” nem “o mau” só há o que funciona, ou não, de acordo com o objectivo que decidimos
ter.