Livrando-nos do Apego
Ás pessoas
A ligação aos outros que decorre
do nosso ego, não é mais do que apego, e este torna-nos infelizes e faz-nos
sofrer. Quando as ideias do nosso grupo não triunfam, ou quando o nosso grupo
não ganha, ou quando não acontece ao grupo, e consequentemente a nós que
incorporámos o grupo, o que desejamos, geramos medo, sob múltiplas formas,
revolta, ódio, raiva, inveja… O objecto destas emoções negativas são os outros a
que passamos a chamar adversários, os que pertencem à família que nos
“afronta”, ao outro partido, ao outro clube de futebol, à outra religião…. Estas
emoções negativas fazem com que cada vez fiquemos mais afastados deles, mais
separados. Estas emoções, alimentadas pelos nossos pensamentos obsessivos,
germinam e transformam-se em sentimentos duradouros. Nós e todos os outros
elementos que estão “em guerra”, e que, por via disso, geram emoções negativas,
criamos, em consequência, infelicidade. Este
apego e as correspondentes emoções e sentimentos, geradas por força do nosso ego,
fazem crescer em nós o sofrimento.
Como estamos apegados aos outros por força do nosso ego, geramos medo, medo
que o grupo não cumpra com os objectivos inerentes à sua constituição, medo que o
grupo não se imponha aos outros, ou medo da separação, da perda; assim criamos
sofrimento, pois o medo e o apego que dele resulta são sempre a causa do
sofrimento. Esta necessidade de
competição, este medo e este apego que resultam da nossa necessidade de nos
mostrarmos superiores, só existem porque não nos vermos como um Todo e não aceitamos
tudo o que ocorre, com a naturalidade que é inerente a qualquer acontecimento[3].
Assim, se algo corre mal com o grupo, ou se, por exemplo, perdemos algum
elemento do grupo geramos em nós revolta, raiva… pelo que aconteceu. Estas
emoções surgem, em maior ou menor grau, dependendo do nosso grau de apego. Mas,
por exemplo no caso da perda, se o que nos une aos outros for simplesmente amor,
e nos sentirmos como um Todo, sentiremos certamente tristeza, mas estaremos
serenos porque sentimos que o outro continua em nós.
Com seres humanos, irmãos na
humanidade, que crescem em profundo interacção uns com os outros,
condiciona-mo-nos mutuamente, e, por isso, evoluímos em conjunto. Só estando
intimamente unidos como um Todo, podemos, individualmente e como raça humana,
evoluir para um patamar de Consciência Superior. Contudo, tal só acontecerá se
nos virmos como um Todo, não só como raça humana, mas unidos com tudo que nos
rodeia e com que interagimos. Dito de outra forma, se o nosso ego for o Todo,
for Deus. Neste caso, o sentimento que nasce em nós, e que prolifera, é o
sentimento da união, é o Amor Incondicional.
Entenderemos, então, que não há
qualquer intervenção divina que tenha em vista favorecer uns ou outros, que
faça com que um grupo ganhe e outros percam. Neste estado de consciência, em
que estamos libertos do nosso ego, entendemos que o que considerávamos ser “favorecimento
de uns ou outros” não faz sentido. O que nos levava a considerar que a
divindade poderia favorecer o nosso grupo ou os outros era o nosso ego. Neste
estado entenderemos que, o que acontece
a cada um, é a consequência directa ou indirecta, das nossas decisões[4], dos
nossos actos, da vida que escolhemos. Podemos também entender que o que nos
acontece, mesmo que aparentemente negativo, é muito importante para nós, pois é
a oportunidade que nos está a ser dada para crescermos e tornar-mo-nos seres
felizes. Logo, nada do que ocorre é negativo ou positivo, é simplesmente o
que é, e cumpre a finalidade de dar-nos a oportunidade de crescermos.
Por isso, se não formos dominados pelo ego,
não criaremos apego e sentir-nos-emos simplesmente envolvidos pelo amor aos
outros e pelo carinho, não geraremos sofrimento e aceitaremos tudo o que
ocorre.
Ao poder
Um ser sem ego, pode ser muito interventivo na sociedade, por essa
razão poderá até ser muito considerado pelos outros, estes podem considerar que
tem um estatuto elevado, mas isso não é importante para ele. Por isso, não se mostra superior a ninguém,
trata todos de igual forma, não se aproveita do estatuto que lhe atribuem para
obter ganhos próprios. Como o seu objectivo é o bem comum, não é
engrandecer-se pessoalmente, a sua prioridade é ajudar todos os outros. Preocupar-se-á em servir e não em ser
servido. O seu crescimento e construção como Ser feliz, é o resultado da
sua contribuição para o crescimento da humanidade, da sua união aos outros, do
seu amor pela humanidade.
Ao tempo e ao
sofrimento
Quando nos apegamos a algo que já ocorreu, na
expectativa que se volte a repetir, quando sabemos que é impossível de
acontecer, pelo menos da mesma forma, estamos a produzir sofrimento. Também não é por pensarmos no que aconteceu que resolvemos situações
passadas, pois, não podemos voltar atrás. “Ruminar” sobre o que aconteceu,
tenha sido desagradável ou agradável[5]
para nós, só produz sofrimento.
Apegar-mo-nos
ao que esperamos venha a ocorrer, por um lado produz ansiedade (em face da
expectativa da obtenção de determinado resultado), o que em si é uma forma de
sofrimento, e, por outro, após chegar à data planeada, poder-se-á
produzir mais sofrimento, quando verificarmos que as
expectativas foram logradas, pois raramente o desejado ocorre exactamente como
se pretende. Por esta razão, não adianta projectar-mo-nos no futuro e
apegar-mo-nos a desejos.
Habitue-mo-nos
pois a aceitar o passado, reconhecendo que, se já passou não pode ser alterado
nem revivido; e podemos também planear o futuro, mas sem criar expectativas.
Tomemos pois consciência que só podemos viver o presente, habitue-mo-nos a
vivê-lo e a aceitá-lo. Não nos apeguemos ao passado nem ao futuro.
Só faz sentido apreciar o que
ocorre no momento. Como vimos projectar-mo-nos
no futuro e apegar-mo-nos a desejos, produz normalmente sofrimento, para além de
que a satisfação fugaz obtida quando satisfazemos o desejo geralmente não
compensa o trabalho e tempo gastos para o atingir, tanto mais que pode-nos ter
impossibilitado de, durante o percurso, vivermos cada momento. Tomemos, pois, consciência que não podemos
viver o passado nem o futuro, só podemos viver o presente, pelo que não
adiante alimentar mágoas contra o passado, que já ocorreu, nem agarrar-mo-nos a
um futuro incerto, que se desconhece e cujo apego só gera receio e ansiedade.
Tomemos consciência que qualquer apego só produz sofrimento e
liberte-mo-nos do domínio do ego que o produz.
Percebamos que o apego à materialidade é fonte de infelicidade e
privilegiemos a partilha do que Somos com os outros. Substituamos o “ter” pelo
“Ser” e passemos a dar mais importância ao “sentir” do que ao “fazer”. Certo é
que se enquanto fazemos algo, formos Seres de amor, o que fizermos sairá
certamente perfeito. Passemos a sentir o que está à nossa volta, os outros
seres, animais ou plantas. Apreciemos a beleza da natureza. Apreciemos o
convívio com os seres que coabitam connosco neste planeta terra. Apreciemos o
convívio com os nossos irmãos humanos. Vivamos plenamente o presente sentindo a
beleza da vida.
Não deixemos que os pensamentos obsessivos invadam a nossa mente
impedindo-nos de viver o presente.
[1] O nosso ego,
abarca sempre muito mais do que o que nós somos, abarca o que nos é exterior e
que o favorece, quer sejam ideias de outros, quer sejam bens materiais, quer
sejam seres vivos ou até pessoas.
[2] Refiro
verdadeiro amor, ou melhor dizendo amor incondicional, para o distinguir do
egoísmo mascarado de amor, que só existe enquanto satisfaz o nosso ego. Nesta
última situação quando o “nosso” objecto
de nosso amor chocar com o nosso ego, o amor pode dar origem a outros
sentimento derivados do medo, como seja o ódio.
[3]
Os
acontecimentos são objectivos, ocorrem de forma natural, não são “bons”, nem
“maus”, nós é que os catalogamos como “bons” ou “maus” em função do impacto que
têm em nós, em fase da análise da mente condicionada pelo ego.
[4] As decisões e
os actos podem ter sido tomadas individualmente ou com humanidade, mas
reflectem-se em cada um de nós.
[5] Pensar, de
forma obsessivo, sobre o que considerámos desagradável, gera, como referimos,
emoções negativas que alimentam mais pensamentos, num ciclo interminável, que
continuamente agrava o sofrimento. Pensar, de forma obsessiva, nas situações
que considerámos agradáveis, só acontecerá se não estivermos felizes no
presente, e ocorrerá, ou porque querem os que as situações se repitam, ou,
porque, tendo um presente infeliz, refugia-mo-nos nas memórias passadas. Quer
num caso, quer noutro, este apego ao passado só pode gerar sofrimento. A
situação só se alterará, se passarmos a viver o presente, e o transformarmos
num presente feliz.