Tuesday, 27 May 2014

Livrando-nos do Apego - Ás pessoas; - Ao poder; - Ao tempo e ao sofrimento

Livrando-nos do Apego


Ás pessoas

Se formos condicionados pelo ego que agudiza a individualização, tornar-nos-emos cada vez mais separados uns dos outros. Em consequência, as emoções e os sentimentos que proliferam são de medo, medo de que não sejamos superiores aos outros e portanto que tenhamos menos hipóteses de sobreviver nesta sociedade de competição. Como temos noção que sozinhos, contra todos, temos mais dificuldade de singrar nesta sociedade, criámos um ego “mais alargado”[1], que abarca os que, de alguma forma podem ajudar a que nos tornemos superiores, ou o grupo que nos propicia condições para garantir a nossa satisfação pessoal, ou a nossa superioridade em relação aos outros. Então criamos apego a estes grupos enquanto eles servirem o nosso propósito de engrandecer o nosso ego. Tal não significa que não possamos ter sentimentos de união aos outros seres, de verdadeiro amor[2], mas muitas vezes estes sentimentos são mesclados com algum egoísmo, são condicionados pelo nosso ego, pelo que acabam logo que o nosso ego é posto em causa.

A ligação aos outros que decorre do nosso ego, não é mais do que apego, e este torna-nos infelizes e faz-nos sofrer. Quando as ideias do nosso grupo não triunfam, ou quando o nosso grupo não ganha, ou quando não acontece ao grupo, e consequentemente a nós que incorporámos o grupo, o que desejamos, geramos medo, sob múltiplas formas, revolta, ódio, raiva, inveja… O objecto destas emoções negativas são os outros a que passamos a chamar adversários, os que pertencem à família que nos “afronta”, ao outro partido, ao outro clube de futebol, à outra religião…. Estas emoções negativas fazem com que cada vez fiquemos mais afastados deles, mais separados. Estas emoções, alimentadas pelos nossos pensamentos obsessivos, germinam e transformam-se em sentimentos duradouros. Nós e todos os outros elementos que estão “em guerra”, e que, por via disso, geram emoções negativas, criamos, em consequência, infelicidade. Este apego e as correspondentes emoções e sentimentos, geradas por força do nosso ego, fazem crescer em nós o sofrimento.

Como estamos apegados aos outros por força do nosso ego, geramos medo, medo que o grupo não cumpra com os objectivos inerentes à sua constituição, medo que o grupo não se imponha aos outros, ou medo da separação, da perda; assim criamos sofrimento, pois o medo e o apego que dele resulta são sempre a causa do sofrimento. Esta necessidade de competição, este medo e este apego que resultam da nossa necessidade de nos mostrarmos superiores, só existem porque não nos vermos como um Todo e não aceitamos tudo o que ocorre, com a naturalidade que é inerente a qualquer acontecimento[3]. Assim, se algo corre mal com o grupo, ou se, por exemplo, perdemos algum elemento do grupo geramos em nós revolta, raiva… pelo que aconteceu. Estas emoções surgem, em maior ou menor grau, dependendo do nosso grau de apego. Mas, por exemplo no caso da perda, se o que nos une aos outros for simplesmente amor, e nos sentirmos como um Todo, sentiremos certamente tristeza, mas estaremos serenos porque sentimos que o outro continua em nós.  

Com seres humanos, irmãos na humanidade, que crescem em profundo interacção uns com os outros, condiciona-mo-nos mutuamente, e, por isso, evoluímos em conjunto. Só estando intimamente unidos como um Todo, podemos, individualmente e como raça humana, evoluir para um patamar de Consciência Superior. Contudo, tal só acontecerá se nos virmos como um Todo, não só como raça humana, mas unidos com tudo que nos rodeia e com que interagimos. Dito de outra forma, se o nosso ego for o Todo, for Deus. Neste caso, o sentimento que nasce em nós, e que prolifera, é o sentimento da união, é o Amor Incondicional.

Entenderemos, então, que não há qualquer intervenção divina que tenha em vista favorecer uns ou outros, que faça com que um grupo ganhe e outros percam. Neste estado de consciência, em que estamos libertos do nosso ego, entendemos que o que considerávamos ser “favorecimento de uns ou outros” não faz sentido. O que nos levava a considerar que a divindade poderia favorecer o nosso grupo ou os outros era o nosso ego. Neste estado entenderemos que, o que acontece a cada um, é a consequência directa ou indirecta, das nossas decisões[4], dos nossos actos, da vida que escolhemos. Podemos também entender que o que nos acontece, mesmo que aparentemente negativo, é muito importante para nós, pois é a oportunidade que nos está a ser dada para crescermos e tornar-mo-nos seres felizes. Logo, nada do que ocorre é negativo ou positivo, é simplesmente o que é, e cumpre a finalidade de dar-nos a oportunidade de crescermos.

 Por isso, se não formos dominados pelo ego, não criaremos apego e sentir-nos-emos simplesmente envolvidos pelo amor aos outros e pelo carinho, não geraremos sofrimento e aceitaremos tudo o que ocorre.


Ao poder

O nosso ego usa todas as armas para garantir a superioridade da nossa individualidade. Entendeu que quanto mais poder tiver sobre os outros, maior será o seu estatuto, e os outros podem considerá-lo superior, só pelo facto de ter poder. O poder sobre os outros permite-lhe também obter mais facilmente mais bens materiais para incorporar no seu ego, bem como dispor de mais seres humanos a gravitar às sua volta, pelo que o grupo de amigos ou de pessoas dele dependentes, que engrandecem o seu ego, aumentará. Também as suas ideias, só pelo facto de ter estatuto, tornam-se mais facilmente aceites pelos outros. Esta é pois, de acordo com o seu ponto de vista, a forma ideal de se promover, e consequentemente de aumentar o seu ego e mostrar a sua superioridade.

Um ser sem ego, pode ser muito interventivo na sociedade, por essa razão poderá até ser muito considerado pelos outros, estes podem considerar que tem um estatuto elevado, mas isso não é importante para ele. Por isso, não se mostra superior a ninguém, trata todos de igual forma, não se aproveita do estatuto que lhe atribuem para obter ganhos próprios. Como o seu objectivo é o bem comum, não é engrandecer-se pessoalmente, a sua prioridade é ajudar todos os outros. Preocupar-se-á em servir e não em ser servido. O seu crescimento e construção como Ser feliz, é o resultado da sua contribuição para o crescimento da humanidade, da sua união aos outros, do seu amor pela humanidade.


Ao tempo e ao sofrimento

Não faz sentido apegar-mo-nos a algo que sabemos está em constante mudança.

Quando nos apegamos a algo que já ocorreu, na expectativa que se volte a repetir, quando sabemos que é impossível de acontecer, pelo menos da mesma forma, estamos a produzir sofrimento. Também não é por pensarmos no que aconteceu que resolvemos situações passadas, pois, não podemos voltar atrás. “Ruminar” sobre o que aconteceu, tenha sido desagradável ou agradável[5] para nós, só produz sofrimento.

Apegar-mo-nos ao que esperamos venha a ocorrer, por um lado produz ansiedade (em face da expectativa da obtenção de determinado resultado), o que em si é uma forma de sofrimento, e, por outro, após chegar à data planeada, poder-se-á produzir mais sofrimento, quando verificarmos que as expectativas foram logradas, pois raramente o desejado ocorre exactamente como se pretende. Por esta razão, não adianta projectar-mo-nos no futuro e apegar-mo-nos a desejos.

Habitue-mo-nos pois a aceitar o passado, reconhecendo que, se já passou não pode ser alterado nem revivido; e podemos também planear o futuro, mas sem criar expectativas. Tomemos pois consciência que só podemos viver o presente, habitue-mo-nos a vivê-lo e a aceitá-lo. Não nos apeguemos ao passado nem ao futuro.

Só faz sentido apreciar o que ocorre no momento. Como vimos projectar-mo-nos no futuro e apegar-mo-nos a desejos, produz normalmente sofrimento, para além de que a satisfação fugaz obtida quando satisfazemos o desejo geralmente não compensa o trabalho e tempo gastos para o atingir, tanto mais que pode-nos ter impossibilitado de, durante o percurso, vivermos cada momento. Tomemos, pois, consciência que não podemos viver o passado nem o futuro, só podemos viver o presente, pelo que não adiante alimentar mágoas contra o passado, que já ocorreu, nem agarrar-mo-nos a um futuro incerto, que se desconhece e cujo apego só gera receio e ansiedade.

Tomemos consciência que qualquer apego só produz sofrimento e liberte-mo-nos do domínio do ego que o produz.

Percebamos que o apego à materialidade é fonte de infelicidade e privilegiemos a partilha do que Somos com os outros. Substituamos o “ter” pelo “Ser” e passemos a dar mais importância ao “sentir” do que ao “fazer”. Certo é que se enquanto fazemos algo, formos Seres de amor, o que fizermos sairá certamente perfeito. Passemos a sentir o que está à nossa volta, os outros seres, animais ou plantas. Apreciemos a beleza da natureza. Apreciemos o convívio com os seres que coabitam connosco neste planeta terra. Apreciemos o convívio com os nossos irmãos humanos. Vivamos plenamente o presente sentindo a beleza da vida.

Não deixemos que os pensamentos obsessivos invadam a nossa mente impedindo-nos de viver o presente.








[1] O nosso ego, abarca sempre muito mais do que o que nós somos, abarca o que nos é exterior e que o favorece, quer sejam ideias de outros, quer sejam bens materiais, quer sejam seres vivos ou até pessoas.
[2] Refiro verdadeiro amor, ou melhor dizendo amor incondicional, para o distinguir do egoísmo mascarado de amor, que só existe enquanto satisfaz o nosso ego. Nesta última situação quando o “nosso”  objecto de nosso amor chocar com o nosso ego, o amor pode dar origem a outros sentimento derivados do medo, como seja o ódio.
[3] Os acontecimentos são objectivos, ocorrem de forma natural, não são “bons”, nem “maus”, nós é que os catalogamos como “bons” ou “maus” em função do impacto que têm em nós, em fase da análise da mente condicionada pelo ego.
[4] As decisões e os actos podem ter sido tomadas individualmente ou com humanidade, mas reflectem-se em cada um de nós.
[5] Pensar, de forma obsessivo, sobre o que considerámos desagradável, gera, como referimos, emoções negativas que alimentam mais pensamentos, num ciclo interminável, que continuamente agrava o sofrimento. Pensar, de forma obsessiva, nas situações que considerámos agradáveis, só acontecerá se não estivermos felizes no presente, e ocorrerá, ou porque querem os que as situações se repitam, ou, porque, tendo um presente infeliz, refugia-mo-nos nas memórias passadas. Quer num caso, quer noutro, este apego ao passado só pode gerar sofrimento. A situação só se alterará, se passarmos a viver o presente, e o transformarmos num presente feliz. 

No comments:

Post a Comment